A estratégia posta em prática pelo governo Donald Trump de atacar tudo e todos ao mesmo tempo, desestabilizando instituições e rasgando acordos, teve até agora as reações esperadas — tumulto, agências pulverizadas, enxurrada de processos na Justiça, relações internacionais esgarçadas, perspectiva de guerra comercial — e, no exterior, um efeito inesperado: a reabilitação de líderes políticos que, ao lhe fazerem oposição, estão revertendo acachapantes índices de impopularidade. A regeneração mais recente, incipiente mas significativa, envolve o presidente da França, Emmanuel Macron, firmemente plantado na rua da amargura desde a decisão, no ano passado, de dissolver a Assembleia Nacional e antecipar uma eleição que não tinha nenhuma chance de ganhar. Com a gestão paralisada e os problemas se acumulando, Macron viu sua avaliação popular, que já não era grande coisa, despencar. Em março, deu-se o milagre: seu índice de aprovação subiu 5 pontos, para 27%.
Macron se beneficia da posição de liderança que assumiu na União Europeia (desde sempre seu sonho dourado, diga-se) diante dos buracos abertos por Trump na muralha de defesa da Europa Ocidental, representada pela Otan, e da pressão americana para acabar com a guerra na Ucrânia à custa de concessões à Rússia. As iniciativas da Casa Branca deram um tom visionário ao discurso do presidente francês, que, desde a invasão russa, há três anos, insiste na necessidade de os europeus reforçarem suas forças armadas individuais. Aproveitando o bom momento, ele visitou a base da força aérea francesa em Luxeuil-Saint-Sauveur, perto da fronteira com a Alemanha, que passará por uma expansão financiada pelo aumento projetado do orçamento militar, de 2% para 3,5% do PIB.
Ao mesmo tempo, reiterou o apoio europeu à Ucrânia no embate com a Rússia, organizando uma “cúpula sobre paz e segurança” em Paris e reunindo-se com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Contou pontos ainda a favor de Macron o clima amigável de sua reunião com Trump na Casa Branca — um dos primeiros a ser recebidos no Salão Oval, o presidente francês manteve uma atitude amável, sem subserviência, aprovada por Trump e pelo público. Crises internacionais estão hoje entre as três maiores preocupações de 33% dos franceses, 17% a mais do que em fevereiro.

Recuperação semelhante, por motivos parecidos, está facilitando o trabalho do primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, que, depois de ganhar uma eleição de lavada no ano passado, passou pelo dissabor de despencar mês a mês nas pesquisas. Ele também se encontrou com Trump no Salão Oval e também se saiu bem (o presidente americano se encantou com um convite assinado pelo rei Charles para visitar o Reino Unido), e esse feito, aliado a firmes manifestações de apoio à Ucrânia, rendeu 8 pontos de aprovação em março (para 29%), com o Partido Trabalhista sendo visto como o mais preparado para lidar com questões de defesa. O próprio Zelensky, insultado por Trump nas redes sociais e humilhado por ele no mesmo Salão Oval, alcançou aprovação de 67% dos ucranianos após o confronto, 10 pontos a mais do que em fevereiro e sua melhor avaliação em dois anos.
A onda anti-Trump é sentida ainda nos dois vizinhos dos Estados Unidos, encostados na parede por ameaças de tarifas comerciais. No Canadá, onde o Partido Conservador, de Pierre Poilievre — orgulhosamente chamado de “Trump canadense” —, estava em fevereiro 25 pontos à frente do Partido Liberal, de Justin Trudeau, nas pesquisas eleitorais, o efeito foi devastador: Trudeau renunciou, e seu substituto, Mark Carney, nada de braçada no fulminante antiamericanismo despertado pelas insinuações trumpistas de anexação do país — os dois partidos estão empatados, com ligeira vantagem dos liberais, nas eleições antecipadas para 28 de abril. “Será uma votação sobre liderança econômica e quem está mais apto a responder aos americanos e defender o país”, explica Geneviève Tellier, professora de ciências políticas na Universidade de Ottawa.
Até a mexicana Claudia Sheinbaum, cuja aprovação só aumentou desde que assumiu a Presidência, em outubro, ganhou uns pontinhos por causa de Trump. Sheinbaum soube negociar com o colega americano, que lhe manifestou “respeito”, e como resultado sua avaliação positiva bateu recorde de 85% em fevereiro. “Ela exerceu uma abordagem paciente, que parece ter sido eficaz, e colheu elogios globais e nacionais”, diz Carin Zissis, pesquisadora do think tank americano Wilson Center. Evidentemente, os ganhos com o efeito Trump são temporários e podem se esvair no ar, mas permitem um respiro para quem tem a dura tarefa de fazer frente à truculência do país mais poderoso do mundo.
Publicado em VEJA de 28 de março de 2025, edição nº 2937
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