Apesar de toda pompa e rituais litúrgicos coreografadíssimos ao redor do conclave, ainda sem definição após o sinal de fumaça preta da Capela Sistina nesta quinta-feira, 7, tem um campo em que as expectativas são baixas: a culinária. Os 133 cardeais enclausurados há 23 horas na igreja adornada por Michelangelo passaram dias em Roma desfrutando de carbonaras, lasanhas, gelatos e bom vinho, mas o que há na casa de Santa Marta, onde se hospedam durante a eleição papal, mais parece “comida que se encontra numa estação de trem”, como disse o cardeal italiano Mauro Piacenza, um veterano de conclaves que já não vota por ter mais de 80 anos.
Em entrevista ao jornal americano The New York Times, ele elaborou: se referia a massas com “molho aguado”, costeletas simples e saladas. “Nada emocionante”, resumiu.
Para além do fato de que se trata de comida insossa, como todo o processo do conclave, o cardápio exato da casa de Santa Marta é envolto em segredo.
A tradição de enclausurar cardeais começou no século XIII, depois que moradores de Viterbo, uma cidade ao norte de Roma onde a eleição estava sendo realizada, ficaram tão frustrados com o impasse que arrastou o conclave por três anos que decidiram dar um basta na situação. Trancaram os religiosos no Palácio Episcopal da cidade, e ainda os deixaram sob severas restrições, chegando a remover o teto para expô-los ao frio e chuva, na esperança de agilizar o processo. E eles teriam apenas uma refeição por dia. Quanto mais dias demorassem para chegar a uma decisão, menos comida receberiam.
Mas os cardápios melhoraram. Séculos depois, as entregas de comida do conclave passaram a ser inspecionadas em busca de mensagens secretas — tortas e frangos fáceis de rechear são proibidos, e ainda há vigilância sobre possíveis tentativas de contato com o mundo exterior por meio de um guardanapo sujo — e passadas aos cardeais por uma porta giratória.
Quando um cardeal do século XVI morreu durante um conclave, alguns outros alegaram que a comida estava envenenada. No processo que foi de novembro de 1549 a fevereiro de 1550, o famoso cozinheiro do Vaticano, Bartolomeo Scappi, observou que os cardeais se revezavam como testadores de veneno. Assim que ficava claro que a comida era segura, eles partiam para o banquete.
Scappi foi o chef mais famoso do Renascimento (e possivelmente o primeiro chef-celebridade do mundo) e serviu aos papas Pio IV e Pio V. Seu livro de 1570, Opera Dell’Arte del Cucinare (A Arte de Cozinhar, em tradução livre), o catapultou para a fama. Nele, revelou os segredos da alimentação do conclave que elegeu o Papa Júlio III e a prática extrema de vigilância que perdura até hoje.
Segundo o chef, as refeições diárias dos cardeais eram preparadas em uma cozinha comunitária por cozinheiros e sommeliers, apenas duas das muitas funções domésticas por trás do conclave. Ele identificou que a cozinha representava um espaço onde mensagens ilícitas podiam ser compartilhadas e observou que guardas eram posicionados lá especificamente para impedir isso. Portanto, duas vezes ao dia, em uma ordem determinada por sorteio, mordomos traziam cerimoniosamente a comida.
Antigamente, as refeições eram entregues via ruota, uma “roda” ou plataforma giratória, embutida na parede, conexão entre a cozinha e o salão interno. Antes, comidas e bebidas eram verificadas por provadores para garantir que não estivessem escondendo nenhuma mensagem. Cada passo era vigiado de perto por guardas italianos e suíços.
Os alimentos eram rigorosamente controlados, de acordo com o livro. Nada que pudesse ocultar um bilhete era permitido. Nada de tortas fechadas. Nada de frangos inteiros. Vinho e água vinham em copos transparentes. Guardanapos de pano eram abertos e cuidadosamente inspecionados.
Scappi não detalhou exatamente o que estava à mesa, mas Crystal King, autora de um romance sobre o chef, escreveu que sua pesquisa a levou a concluir que eles comeram “ravióli e pappardelle de coelho” e “pães com queijo, croquetes de vitela, urso assado, costelas de boi grelhadas, crostatas de cogumelos abertas, faisão ao molho de groselha e talvez até omeletes de caviar”.
Os tempos mudaram e, embora Santa Marta não esteja exatamente servindo pão com ovo, os clérigos que votam no próximo papa não devem esbanjar caviar. Para este conclave, as freiras da residência religiosa onde viveu Francisco prepararão pratos simples, típicos do Lácio, a região italiana que circunda o Vaticano, e da vizinha Abruzzo: minestrone, espaguete, arrosticini (espetos de cordeiro) e legumes cozidos estão entre as possibilidades.
Mas a vigilância continua a mesma: o processo é rigorosamente controlado, garantindo que nenhuma informação entre ou saia.
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