A escolha do nome “Leão XIV” pelo cardeal Robert Prevost, como sua designação enquanto o novo papa da igreja católica, indica os rumos de sua atuação.
O papa Leão XIII, predecessor de nome do papa atual, assumiu o pontificado em 1878, em meio ao antagonismo dos estados-nação da Europa contra a igreja católica, a expansão dos centros urbanos, a deterioração da qualidade de vida do proletariado e a agressividade colonialista na África e na Ásia. Atendendo às pressões de bispos e grupos leigos católicos para que abordasse as condições subumanas das massas trabalhadoras, Leão XIII tomou posição e promulgou a encíclica Rerum Novarum: sobre a condição dos operários (1891). Foi a primeira vez que a hierarquia católica abordou de forma global os problemas derivados da sociedade
industrial e reconheceu oficialmente os contributos do catolicismo social, de índole popular. A encíclica Rerum Novarum teve uma enorme repercussão, revelando uma ruptura entre Leão XIII e seu antecessor Pio IX: de um catolicismo integrista e fechado, a Igreja católica, recuperava um prestígio perdido, abrindo os braços ao século e às
massas. Leão XIII condenou tanto o liberalismo econômico, quanto o
socialismo, especialmente a luta de classes marxista. Leão XIII afirmou a autoridade moral da Igreja para promover a justiça na vida pública, defendeu o direito à propriedade privada, e alegou que o Estado tinha a obrigação de proteger os trabalhadores e os sindicatos por meio da legislação. A fundamentação da mensagem residiu na crença de que todos os seres humanos, ricos ou pobres, possuem valor intrínseco por serem feitos à imagem e semelhança de Deus (RN, §23). Vale ressaltar que Leão XIII foi o primeiro papa
desprovido de poder temporal-político, estando livre para uma atuação exclusivamente espiritual e suprapolítica. Deste modo, por um lado, Leão XIII foi o papa que abriu a igreja aos temas de seu tempo. Contudo, por outro lado, a Rerum Novarum é uma encíclica muito dependente da tradição neoescolástica, ou seja, não apresenta diálogo com os pensadores contemporâneos de então. Este diálogo mais aberto só ocorreu apropriadamente após o Concílio Vaticano II, na década de 1960.
Contudo, a despeito de suas limitações, a Rerum Novarum tornou-se uma espécie de “carta magna” da Doutrina Social da Igreja (DSI), isto é, uma pedra de toque para o conjunto de discursos e ensinamentos da igreja católica concernente à dignidade da pessoa humana e ao bem comum na vida em sociedade. A DSI não procura fornecer uma resposta ou solução infalível ou pronta para os problemas sociais, mas princípios de reflexão, critérios de julgamento e orientação de ação, elaborados pelo magistério da igreja no curso dos séculos. A DSI é menos um programa sociopolítico e mais uma estrutura de reflexão sobre os problemas sociopolíticos. Deste modo, ao escolher o nome “Leão XIV”, o novo papa mobiliza imediatamente a Rerum Novarum, a doutrina social da igreja, e a atenção da igreja às mudanças aceleradas no mundo do trabalho. Não por acaso, em sua primeira homilia, Leão XIV posicionou o termo “tecnologia” em primeiro lugar, como um dos desafios espirituais do mundo contemporâneo.
*Davi Lago é coordenador de pesquisa no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia (PUC-SP), doutorando em filosofia e teoria do direito pela Universidade de São Paulo
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