16 de maio de 2025

Queda do rei de Davos: bastidores do Fórum Econômico Mundial expõem rede de poder e dinheiro

Durante décadas, Klaus Schwab dominou Davos como um rei. Esse reinado terminou quando ele decidiu enviar um e-mail para os curadores do Fórum Econômico Mundial.

Schwab parecia estar caminhando para uma saída honrosa da organização que fundou há mais de meio século, depois que uma investigação do The Wall Street Journal, em 2024, expôs provas de uma cultura tóxica no Fórum para mulheres e colaboradores negros.

E, na sexta-feira, 18 de abril, o comitê de auditoria dos curadores recomendou a abertura de uma investigação sobre uma nova onda de denúncias contra Schwab e sua esposa, Hilde.

Indignado, Klaus Schwab rechaçou as acusações com uma mensagem de dois parágrafos para o Comitê de Auditoria do Conselho, ameaçando os curadores com uma investigação sobre o desempenho de suas funções e acusando-os de colocar o futuro da organização em risco.

“Vocês têm a oportunidade de voltar atrás em sua nota para o conselho nas próximas 24 horas, lamentando expressamente ter colocado minha reputação em dúvida”, dizia o e-mail. E ainda sugeriu: “Para facilitar tal decisão, vocês poderiam mencionar que apresentarei uma queixa-crime”. “Atenciosamente, Klaus.”

O professor Klaus Schwab, fundador e presidente do Fórum Econômico Mundial, ouve durante a sessão "For Hope" da 32ª Reunião Anual do Fórum Econômico Mundial, em 31 de janeiro de 2002, no hotel Waldorf-Astoria, na cidade de Nova York.O professor Klaus Schwab, fundador e presidente do Fórum Econômico Mundial, ouve durante a sessão "For Hope" da 32ª Reunião Anual do Fórum Econômico Mundial, em 31 de janeiro de 2002, no hotel Waldorf-Astoria, na cidade de Nova York.
Klaus Schwab enviou uma mensagem de dois parágrafos para o Comitê de Auditoria do Fórum – Foto: Getty Images

Acusações

O e-mail bombástico tinha como objetivo impedir que os curadores respondessem formalmente às acusações de que os Schwabs, durante anos, misturava indevidamente suas finanças pessoais com as contas abastadas do Fórum Econômico Mundial.

Em vez disso, o tiro saiu pela culatra para o fundador de 87 anos do Fórum, a instituição suíça por trás do luxuoso encontro anual de líderes mundiais, magnatas das finanças, celebridades e jornalistas que acontece todo mês de janeiro nos Alpes.

Durante décadas, Klaus Schwab selecionou a dedo os executivos do Fórum e demitiu colaboradores que o contrariavam. Ele pessoalmente nomeou membros da realeza, políticos e CEOs para o conselho de administração do Fórum. Sua esposa recebeu ampla liberdade como chefe de uma fundação ligada ao Fórum e como voluntária de maior destaque da organização. 

Agora, o fundador está em guerra com a organização que fundou e liderou com mão de ferro. Ele foi instruído por advogados a não destruir e-mails, documentos financeiros ou outros registros, segundo pessoas familiarizadas com a situação, e está proibido de interagir com a equipe ou
usar os sistemas de computador do Fórum.

Schwab afirmou que ele e sua esposa negam todas as acusações apresentadas na carta do delator.

“Somos da opinião de que o comitê de auditoria e risco e o conselho de administração do Fórum Econômico Mundial foram precipitados também em relação à determinação da nova investigação, sem uma discussão prévia aprofundada”, afirmou ele em um comunicado.

Investigação independente

“Minha esposa Hilde e eu dedicamos os últimos 55 anos ao serviço público, sempre respeitando os mais altos padrões profissionais, financeiros e éticos”, diz o comunicado.

O Fórum afirmou que seu conselho decidiu, por unanimidade, iniciar uma investigação independente sobre as alegações do delator, decisão endossada por seu regulador suíço. “O processo será conduzido de forma minuciosa, diligente e em tempo hábil”, afirmou em um comunicado. “Os acontecimentos das últimas semanas não alteram o compromisso inabalável do Fórum Econômico Mundial com sua missão e valores”, disse o Fórum, incluindo os próximos eventos em Tianjin, no norte da China, e em São Francisco, nos EUA.

A ruptura fez com que os curadores se apressassem para controlar as consequências dentro da organização, que gera cerca de US$ 500 milhões por ano, grande parte proveniente de taxas pagas por parceiros corporativos.

Grandes bancos, empresas de consultoria e gigantes da tecnologia têm investido centenas de milhares de dólares em parcerias com o Fórum ano após ano, ajudando a financiar os encontros de Davos e outros eventos.

Negócios no Fórum Econômico Mundial

Banqueiros e CEOs afirmam que conseguem fechar mais negócios em cinco dias em Davos do que em semanas de viagens frenéticas.

A maior parte dos negócios acontece em suítes e salas de reunião privativas, longe de jornalistas e participantes de organizações sem fins lucrativos. O acesso hierarquizado — a hotéis, restaurantes e festas noturnas — é regido por crachás coloridos pendurados no pescoço dos visitantes.

Isso cria uma hierarquia que faz com que os VIPs voltem sempre. Este texto é baseado em entrevistas com altos funcionários do Fórum Econômico Mundial, colaboradores atuais e antigos, e outras pessoas familiarizadas com o funcionamento interno da organização, bem como em documentos internos do
órgão, analisados ​​pelo WSJ.

O drama da sucessão

O famoso evento anual tornou a pitoresca estação de esqui suíça de Davos um nome conhecido, ajudando a organização sem fins lucrativos a acumular uma fortuna em imóveis de luxo e reservas de caixa.

Klaus Schwab era o anfitrião onipresente, presidindo reuniões públicas e privadas, frequentemente apresentando bordões que expressavam suas opiniões sobre globalização, tecnologia e geopolítica.

Os cerca de 30 curadores do Fórum incluem o CEO da BlackRock, Larry Fink, o famoso violoncelista Yo-Yo Ma, o ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore, e a Rainha da Jordânia, Rania Al Abdullah.

Em janeiro de 2024, um grupo crescente de curadores discutiu em particular maneiras de persuadir o fundador a nomear um sucessor e iniciar o processo de cessão do controle.

Os confrontos entre Schwab e seu principal vice, Børge Brende, ex-ministro das Relações Exteriores da Noruega, estavam se tornando cada vez mais frequentes e preocupantes. Pessoas familiarizadas com a situação dizem que Schwab tinha um controle excessivo até mesmo sobre decisões e estratégias rotineiras de contratação para atrair participantes mais jovens.

Os curadores contaram com a ajuda de Peter Brabeck-Letmathe, pessoa de confiança de Schwab e ex-CEO da Nestlé, na tentativa de induzir Schwab a uma saída honrosa. Brabeck-Letmathe tinha influência sobre Schwab, mas até ele encontrou resistência.

Schwab insistiu que sua aposentadoria era uma decisão sua — e que sua influência sobre o Fórum não terminaria ali. De acordo com os estatutos do Fórum: “O próprio Fundador designa seu sucessor no Conselho e assim por diante para a sucessão deste”, e Schwab ou “pelo menos um membro de sua família direta” faz parte do conselho de curadores. Schwab queria renunciar às responsabilidades gradualmente e em fases, e ajudar a escolher seu sucessor.

Os planos de Schwab foram interrompidos no ano passado quando o WSJ contatou o Fórum sobre suas reportagens sobre a cultura do local de trabalho, disseram pessoas familiarizadas com o assunto. Em consulta com assessores, Schwab escolheu um caminho que poderia ter desviado a atenção dele.

Em um memorando de maio de 2024, Schwab informou à equipe que planejava deixar seu cargo executivo para se tornar presidente não executivo. Schwab também enviou cartas ao editor e ao editor-chefe do Journal, alegando que os repórteres estavam acreditando em ex-colaboradores insatisfeitos.

O artigo de 29 de junho de 2024, baseado em relatos de dezenas de colaboradores atuais e antigos do Fórum e outras pessoas familiarizadas com as práticas do Fórum, relatou que Schwab presidira um ambiente de trabalho no Fórum que era hostil às mulheres e aos negros, incluindo incidentes de
assédio sexual, discriminação racial e discriminação relacionada à gravidez.

O Fórum emitiu um comunicado à imprensa negando a reportagem e ameaçando com um processo por difamação. Alguns parceiros corporativos do Fórum, incluindo Pfizer e Mastercard, entraram em contato com a organização para questioná-la sobre as alegações.

O conselho designou um comitê para supervisionar a resposta, liderado pelo CEO da AXA, Thomas Buberl, e incluindo a CEO da Accenture, Julie Sweet, e o cofundador do Carlyle Group, David Rubenstein. O conselho contratou o escritório de advocacia americano Covington & Burling e o escritório de advocacia suíço Homburger para investigar. 

Meses de investigação

A investigação, liderada pelo ex-procurador-geral dos EUA, Eric Holder, um conselheiro sênior do Covington, durou meses. Nos bastidores, a tensão era grande. Em um e-mail enviado aos curadores em
agosto de 2024, Schwab defendeu seu legado.

“Eu poderia ter criado o Fórum como uma empresa comercial, já que assumi todo o risco empresarial e financeiro ao criá-lo. Agora, provavelmente seria enaltecido como um empreendedor bilionário”, escreveu ele.

Em uma mensagem de texto de novembro de 2024, Schwab afirmou: “Em relação ao racismo, particularmente contra os africanos, só quero mencionar que fui nomeado cavaleiro (KCMG, sigla em inglês para Cavaleiro Comandante (da Ordem) de São Miguel e São Jorge) pela Rainha Elisabeth (sic), principalmente por meus esforços para vencer o apartheid”.

A carta e outras semelhantes pareceram um sinal de desespero para alguns curadores e altos funcionários do Fórum, de acordo com pessoas familiarizadas com as discussões internas dos últimos meses. Schwab tinha uma tendência a exagerar seu papel nos eventos que puseram fim ao regime racista da África do Sul.

O comunicado de imprensa do Ministério das Relações Exteriores sobre a concessão do título honorário de cavaleiro a Schwab, apresentado pelo Secretário de Relações Exteriores britânico no palco de Davos em janeiro de 2006, não menciona o apartheid.

Cita a “contribuição de Schwab para as prioridades globais do Reino Unido de proteger o meio ambiente e reduzir a pobreza por meio do desenvolvimento sustentável” e chama Davos de um “fórum global singular”.

“Ele precisa sair”

Em uma ligação telefônica em março com os curadores do Fórum, Holder recomendou mudanças na equipe após a investigação. Porém, ele foi inflexível em relação a uma pessoa: o filho de Schwab, Olivier Schwab. “Ele precisa sair”, disse Holder aos curadores.

Holder citou evidências de que Olivier havia ignorado assédio sexual grave perpetrado por um subordinado direto, um caso documentado no artigo de 2024 do WSJ, e então induzido os investigadores a erro sobre seu conhecimento das denúncias.

Representantes do Covington, incluindo Holder, não retornaram pedidos de comentários. Klaus Schwab ficou furioso. Sua filha, Nicole Schwab, já havia deixado o Fórum em dezembro.

Ele disse aos curadores que discordava dos planos de retirar seu filho e ameaçou retaliar se o fizessem, segundo pessoas a par do assunto.

Um porta-voz da família Schwab disse que Schwab não esteve envolvido nas discussões sobre a saída do filho, mas ameaçou renunciar se eles mencionassem seu filho e dois assessores próximos no relatório do
Covington.

Renúncia

Em discussões acaloradas, os curadores chegaram a um acordo que permitiu que Olivier Schwab renunciasse, em vez de ser demitido. Olivier Schwab, por meio do porta-voz, disse que assim que teve provas das irregularidades do funcionário infrator em fevereiro de 2018, ele o demitiu, mas até então eram boatos.

Na semana de 24 de março, Brende convidou Klaus Schwab diversas vezes para discutir o plano de reorganização do Fórum, mas Schwab sempre apresentava justificativas para a não realização do encontro.

O plano recebeu a aprovação do conselho e, em 27 de março, Brende enviou um memorando de 3.700 palavras delineando mudanças abrangentes na estrutura de gestão, incluindo nomeações para a diretoria. Klaus Schwab recebeu o memorando juntamente com outros colaboradores.

Nele, constava a saída de seu filho e a redução de responsabilidades de dois de seus principais assessores, Saadia Zahidi e Jeremy Jurgens.

Fúria

O fundador ficou furioso com Brende, argumentando que algumas das pessoas promovidas não estavam preparadas para a responsabilidade.

Ele reclamou com Brabeck-Letmathe, então vice-presidente do conselho, que decisões importantes que afetavam o futuro do Fórum haviam sido tomadas sem consultá-lo. Brabeck-Letmathe não se mostrou compreensivo e disse-lhe deveria renunciar.

O confronto frustrou os curadores, já perplexos pela defesa de seu filho feita por Schwab, apesar das conclusões da investigação independente.

Em 2 de abril, Klaus Schwab comunicou à equipe e aos conselheiros que renunciaria à presidência. O Fórum informou que iniciaria a busca por um substituto, com a meta de concluir o processo até janeiro de 2027.

Os delatores

Cerca de duas semanas depois, um longo e-mail chegou às caixas de entrada dos curadores, assinado “em nome dos colaboradores atuais e antigos”. O comunicado expôs 11 áreas de reclamação, que vão desde alegações de uso indevido de recursos do Fórum até o comportamento de Klaus Schwab com
funcionárias, incluindo comentários pessoais e outras comunicações que deixaram as colaboradoras desconfortáveis, e a forma como Olivier Schwab lidou com a questão do assédio sexual.

Também expôs outras supostas falhas de governança, incluindo os gastos exorbitantes do Fórum em uma
propriedade de luxo chamada Villa Mundi, um projeto supervisionado por Hilde Schwab. Depois que o Fórum gastou cerca de US$ 30 milhões na mansão ao lado de sua sede, com vista para o Lago Genebra, em 2018, iniciou-se uma reforma de aproximadamente US$ 20 milhões.

Hilde liderou o projeto. Ela também controlava como e quando os colaboradores do Fórum poderiam usar a Villa Mundi — limitando o acesso a um andar inteiro, que, conforme informado aos funcionários, era para uso exclusivo dos Schwabs, de acordo com a carta do delator e uma pessoa familiarizada com a situação.

A carta do delator também apontou que Schwab havia utilizado indevidamente os recursos e a equipe do Fórum em uma empreitada pessoal para ser indicado ao Prêmio Nobel da Paz.

“Não se tratava de uma iniciativa do Fórum Econômico Mundial, mas de um esforço próprio disfarçado de trabalho”, afirma a carta. O porta-voz de Schwab disse que Schwab e sua esposa negam todas as
alegações na denúncia do delator, incluindo sobre a Villa Mundi e o esforço do Prêmio Nobel da Paz. 

Análise criteriosa

Os curadores, muitos dos quais atuavam no conselho do Fórum há anos, de repente se depararam com a perspectiva de uma análise mais rigorosa sobre a eficácia da supervisão da organização. E, então, consultaram advogados do conselho.

Na sexta-feira Santa, 18 de abril, o comitê de auditoria presidido por Buberl notificou o conselho de administração de sua intenção de abrir uma nova investigação sobre as alegações da carta do delator.

Klaus Schwab disse aos membros do conselho que tudo na carta era falso e afirmou que o inquérito do Covington não havia comprovado as alegações anteriores contra ele. Buberl respondeu que, se ele não tinha nada com o que se preocupar, Schwab deveria aceitar a investigação. Logo depois, Schwab enviou e-mail ameaçador ao comitê de auditoria.

O comitê encaminhou a mensagem ao conselho. Brabeck-Letmathe ligou para seu amigo de longa data e teve uma conversa difícil.

Schwab tentou explicar que era inaceitável submetê-lo a outra investigação. Brabeck-Letmathe discordou. Schwab respondeu no sábado à noite com um e-mail de demissão ao conselho.

Schwab afirmou, no e-mail, que seu legado é “altamente reconhecido e não precisava de nenhuma validação adicional”. Ele citou seus mais de 20 títulos honorários e cátedras e escreveu: “Recebi a mais alta distinção nacional de vários países por minhas ações para ajudar o desenvolvimento econômico, esforços de reconciliação e até mesmo evitar uma guerra”.

Investigação necessária

A implosão de Schwab culminou no domingo de Páscoa com uma reunião de mergência do conselho do Fórum, que durou cerca de duas horas. Alguns curadores se manifestaram em apoio a Schwab, mas, no final, todos concordaram que uma investigação era necessária.

Os curadores também conversaram com advogados no fim de semana sobre a necessidade de agir rapidamente em meio a preocupações de que Schwab ou outros agindo em seu interesse pudessem tentar destruir evidências.

Na segunda-feira, 21 de abril, o Fórum emitiu uma declaração dizendo que Schwab havia decidido deixar a presidência, com efeito imediato.

O porta-voz da Schwab afirmou que Schwab nunca teve a intenção de ameaçar o conselho em seu e-mail de abril. Desde então, ele entrou com uma queixa-crime contra o autor anônimo da carta de denúncia na Suíça, acrescentou o porta-voz.

Traduzido do inglês por InvestNews

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