24 de maio de 2025

Bitcoin já tirou a hegemonia do dólar na ‘economia subterrânea’, diz ex-diretor do FMI

Do FMI ao Fed, Kenneth Rogoff passou anos dentro das instituições que ajudaram a moldar a ordem econômica global liderada pelo dólar.

Agora, ele alerta que a dominância do dólar não está mais garantida.

Em seu novo livro, Our Dollar, Your Problem (“Nosso Dólar, Seu Problema”), o ex-economista-chefe do FMI e hoje professor de Harvard argumenta que a ascensão da China, as tensões geopolíticas e a crescente influência das criptomoedas estão desgastando a posição do dólar no cenário global.

Em entrevista à Bloomberg News, Rogoff falou sobre por que as moedas digitais, antes vistas como uma moda passageira, vieram para ficar.


Por que o senhor incluiu um capítulo sobre criptomoedas?

Estamos pensando no futuro, não apenas no passado. Então, o livro é uma análise abrangente da ascensão do dólar após a Segunda Guerra Mundial — como ele chegou a esse nível e como seus concorrentes ficaram pelo caminho. Mas não é só que o dólar se tornou o primeiro — ele se tornou mais dominante do que qualquer outra moeda jamais foi. E eu vejo isso em declínio — está começando a se desgastar nas bordas, com o renminbi se desvinculando do dólar, o euro tendo uma presença maior — isso já acontece há uma década.

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Mas há também as criptomoedas, porque um dos principais mercados do dólar é a economia subterrânea global. E nesse ambiente, o governo não tem controle.

Uma das primeiras perguntas que muitos fazem é: a cripto pode substituir o dólar? A cripto não pode substituir o dólar — mas isso na economia legal, onde o governo tem muita influência. Na economia subterrânea, por definição, essa influência é muito menor.


O que é a economia subterrânea?

Depende do país. A maior parte é evasão fiscal. Evasão fiscal é massiva no mundo todo. A média nos países avançados fica entre 15% e 20%. Os Estados Unidos estão entre os mais baixos — abaixo de 15%. Mas em muitas economias avançadas, especialmente na Europa, é bem mais alto. E nas economias em desenvolvimento, chega a um terço do PIB.

Existe uma zona cinzenta entre o que é ilegal e o que é evasão fiscal, às vezes as duas coisas se sobrepõem. Mas muito disso é o que alguns chamariam de mercado cinza, economia paralela. Você não paga impostos pela babá, há quem pague o pintor ou o personal trainer em dinheiro vivo. Tem gente que paga aluguel em espécie. Claro que também há tráfico de armas, tráfico humano, drogas, etc. Essas atividades ilegais são importantes, mas são quantitativamente menores do que a evasão fiscal.


O senhor argumenta no livro que o Bitcoin já reduziu a dominância do dólar.

Sim, embora a cripto ainda não tenha avançado muito na economia legal, ela é cada vez mais usada na economia subterrânea global — composta por atividades criminosas, mas principalmente evasão fiscal e regulatória — onde o dinheiro em espécie, especialmente o dólar, reinava. A ideia de que não há uma “proposta de valor fundamental” para uso em transações está errada. Muitos países também estão usando cripto para escapar das sanções financeiras dos EUA.


Quais são as implicações disso?

A economia subterrânea global representa talvez 20% do PIB mundial — segundo minha própria pesquisa e uma revisão da literatura do Banco Mundial. É um mercado enorme, onde o dólar sempre foi particularmente dominante.


Como o avanço da cripto sobre a dominância do dólar afeta as taxas de juros para todos nós?

Uma demanda menor por dólares na economia subterrânea global eleva as taxas de juros nos EUA, embora esse seja apenas um dos muitos fatores que hoje pressionam os juros para cima. O “privilégio exorbitante” dos Estados Unidos — por ser de longe a moeda de reserva mais importante — afeta todas as nossas taxas de juros, não só a dos títulos do Tesouro, mas também hipotecas, financiamentos de carros, empréstimos estudantis, etc.


E a segunda implicação é a segurança nacional?

Em geral, a perda de participação do dólar torna mais difícil para as autoridades dos EUA monitorarem fluxos financeiros que ajudam a manter a segurança nacional.

A dominância do dólar também nos permite impor sanções. Quando há apenas uma substituição do papel-moeda por cripto, que já era quase impossível de rastrear, não há um novo problema. Mas se a cripto permite novas formas de ocultar transações que antes passavam pelos canais financeiros tradicionais, as implicações para a segurança nacional — pela perda de informação — são muito mais significativas. Esse desafio é ainda mais difícil de conter pelos reguladores dos EUA, já que grande parte do resto do mundo vê como excessivo o controle americano sobre o sistema financeiro. Isso é uma das principais razões pelas quais é provável que vejamos uma diversificação contínua fora dos mercados denominados em dólar, rumo a outros meios de transação — algo que Our Dollar, Your Problem discute extensamente.


E a dominância da cripto vai continuar crescendo?

Com certeza. A cripto vai continuar tomando conta da economia subterrânea global nas transações.

Há quem ache que a cripto vai “até a lua”, mas também tem muita gente — como Paul Krugman, Nouriel Roubini, Jamie Dimon, Warren Buffett — que disseram recentemente que acham que cripto é só um golpe. No capítulo sobre cripto, eu explico por que isso está completamente errado. Porque se a economia subterrânea é 20% do PIB mundial, isso a torna — dependendo da cotação do dólar — uma economia de 20 a 25 trilhões de dólares.

E se você está oferecendo o meio de troca para isso, isso é uma proposta de valor. A cripto tem valor. Ela é usada para transações. É uma parte grande da economia que, mesmo sendo fortemente regulada, o governo terá dificuldade de controlar. Então, não é algo sem valor. Há muito em jogo aqui.

Por Vildana Hajric

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