25 de maio de 2025

Brasil brilha em Cannes | VEJA

 

Brasileiros brilharam no 78º Festival de Cannes, o mais importante evento internacional da indústria do cinema. Realizado entre os dias 13 e 24 de maio na França, o festival reuniu mais de 35 mil pessoas de 160 nacionalidades. Para alegria brasileira, o juri premiou Wagner Moura como melhor ator e Kleber Mendonça Filho como melhor diretor, ambos pelo filme “O Agente Secreto” na competição principal. Estes feitos entram para um seleto grupo de momentos marcantes da presença brasileira em Cannes, como a Palma de Ouro de “O Pagador de Promessas” (1962) de Anselmo Duarte, o prêmio de melhor atriz para Fernanda Torres por “Eu sei que vou te amar” (1986) de Arnaldo Jabor, a menção honrosa de “Central do Brasil” (1998) de Walter Salles, o prêmio de melhor atriz de Sandra Corveloni por “Linha de passe” (2008) de Walter Salles e Daniela Thomas, e o prêmio do juri de “Bacurau” (2019), também de Kleber Mendonça Filho. Este ano, a equipe de “O Agente Secreto” protagonizou um dos momentos mais destacados de todo o evento: o desfile da Orquestra Popular do Recife e do grupo Guerreiros do Passo pelo tapete vermelho da exibição oficial do filme. O frevo contagiou a multidão presente na célebre avenida La Croisette — vale dizer que o número total de turistas em Cannes ultrapassa 350 mil pessoas nos dias do festival. Mas o brilho brasileiro não parou por ai. O Festival de Cannes engloba um conjunto extenso de programações paralelas, e a força da cultura brasileira esteve presente de modo consistente nestes espaços.

No Marché du Film (“mercado do filme” em francês) o Brasil foi acolhido como o país de honra em 2025, tendo seu pavilhão estruturado no centro do Palácio dos Festivais e Congressos. Esta distinção, que desempenha um papel importante nas comemorações dos 200 anos de relações diplomáticas franco-brasileiras, ocorre em excelente momento para o setor audiovisual brasileiro, que recebe crescente atenção e reconhecimento internacional, na esteira do sucesso do filme “Ainda estou aqui”, dirigido por Walter Salles e produzido por Daniela Thomas, com a multipremiada atuação de Fernanda Torres. Deste modo, no Festival de Cannes deste ano, os brasileiros mostraram a que vieram. A cineasta Camilla Lapa foi destaque nos debates da Sala de Novos Produtores. Na competição de curtas da 64ª Semana da Crítca, o filme “Samba infinito” de Leonardo Martinelli, com atuações especiais de Camila Pitanga e Gilberto Gil, foi amplamente elogiado nos corredores, sendo um dos dez curtas exibidos entre cerca de dois mil inscritos. Matheus Moura, da produtora cinematográfica belo-horizontina Ursana Filmes, teve seu curta em fase de produção “Prometeu” selecionado para participar do disputado espaço de pitch Focus Script no Short Film Market. Já o documentário “Eu Ouvi o Chamado: O Retorno dos Mantos Tupinambá” de Myrza Muniz, Robson Dias e Célia Tupinambá venceu o prêmio especial Rulli Putortí & Law Partners Award. Dias afirmou sobre a importância deste prêmio: “O sucesso do nosso filme em Cannes reafirma que há demanda global por narrativas diversas e comprometidas com a verdade histórica. O cinema afroindígena brasileiro é uma força que já não pode mais ser ignorada”. De fato, pode-se ouvir uma multiplicidade de sotaques brasileiros em Cannes. Diferentes conferências e painéis especializados foram centrados no Brasil como, por exemplo, “O Ecossistema Audiovisual Brasileiro e suas Instituições”, no palco principal do evento. Este painel contou com a ministra da cultura Margareth Menezes, a presidente da SPCine Lyara Oliveira, o presidente da RioFilme Leonardo Edde, a secretária de Cultura do Ceará Luisa Cela, entre outras autoridades brasileiras.

Todas estas ações renderam impactos imediatos. O diretor artístico do festival Thierry Frémaux observou: “O Brasil chegou com força total e apresenta uma diversidade de vozes que rivaliza com as maiores cinematografias do mundo.” O jornalista e crítico brasileiro Hebert Felipe Neri, que participa há mais de uma década do festival, afirmou: “Segundo dados preliminares do Marché du Film, mais de US$ 18 milhões em pré‑vendas e acordos de coprodução foram negociados para projetos brasileiros — um recorde que reflete o apetite internacional por narrativas nossas”. Com esse desempenho, espera‑se que 2025 seja o ano-chave para a internacionalização massiva de títulos brasileiros mas principais plataformas de streaming. Neri destaca o que ele chama de “after Cannes”, isto é, o efeito do Festival de Cannes no Brasil e da participação do Brasil em Cannes, que se traduz pelo menos em três pontos-chave: (1) salas de cinema dedicadas a obras brasileiras na Europa nos próximos meses; (2) aumento de inscrições de projetos brasileiros em fundos europeus de coprodução; e (3) pré‑estreias e vendas para mercados latino‑americanos e asiáticos já previstas.

Deste modo, o sucesso brasileiro em Cannes é um estímulo com implicações econômicas, sociais, educacionais e culturais de curto, médio e longo prazo para o setor audiovisual brasileiro em específico e para a sociedade brasileira de modo geral. Todas as nações prósperas possuem no setor cultural um poderoso motor de desenvolvimento econômico e de soft power. Um dos maiores exemplos contemporâneos é a “Onda Coreana” (Hallyu) fenômeno impulsionado por elementos como K-pop, doramas, cinema e moda, que alçaram a Coreia do Sul como referência global em entretenimento e cultura. Assim, o aquecimento da indústria cinematográfica do Brasil abre perspectivas vocacionais e contribui com o desenvolvimento do setor da economia criativa do país. Segundo dados oficiais 7,5 milhões de brasileiros trabalham no setor cultural. Definitivamente, é importante para nosso país que, no Festival de Cannes 2025, a belíssima Costa Azul francesa tenha ficado mais verde e amarela.

*Davi Lago é coordenador de pesquisa no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP, e doutorando em Filosofia e Teoria do Direito pela USP, com pesquisa sobre Direito e Cinema.

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