25 de maio de 2025

Com negócios no limite entre público e privado, cl…

É um daqueles presentes capazes de fazer até o mais benevolente dos santos desconfiar das intenções de quem o oferece: o governo do Catar doou para Donald Trump um avião Boeing 747-8 para garantir mais conforto em seus deslocamentos. O mimo, avaliado em 400 milhões de dólares, é uma pechincha diante do fundo de 526 bilhões de dólares que o governo do país árabe administra, ou “uma coisa normal que acontece entre aliados”, nas palavras do xeique Moham­med bin Al Thani, o monarca encarregado do generoso gesto. Compartilhar brindes é gesto diplomático comum e esperado. Mas um jato? A reação de espanto e desconfiança brotou com velocidade, dado o arsenal de costuras políticas que Trump tem feito no Oriente Médio. A suspeita: podem vir a favorecer as atividades empresariais de sua própria família.

Desde que assumiu a Casa Branca, o presidente americano não para de reclamar das duas aeronaves oficiais reservadas ao ocupante do Salão Oval. Os altos custos de manutenção dos modelos que têm 35 anos de idade e já saíram de linha justificariam a troca. Duas novas aeronaves já haviam sido encomendadas à Boeing pelo próprio Trump, em seu primeiro mandato. Os atrasos recorrentes, no entanto, levaram o mandatário a aceitar o presente oferecido à sua pessoa física — antes, ele consultou advogados para garantir que não estava quebrando nenhuma lei. Mas, ao contrário do que o governo se esforça para provar, a substituição de um Air Force One não é trivial. O “palácio dos céus” catari, assim apelidado por conta das luxuosas instalações, não tem sistemas de defesa, bloqueadores de radar, mecanismos de abastecimento no ar e escudo contra armas nucleares. A vulnerabilidade do avião o obriga a voar apenas dentro dos Estados Unidos e com a escolta permanente de dois caças. “Seria uma bobagem não aceitá-­lo”, argumentou Trump.

ÍNTIMOS - Trump com os árabes: conflito de interesses
ÍNTIMOS - Trump com os árabes: conflito de interesses (Brendan Smialowski/AFP)

A controversa iniciativa ocorre em meio a crescentes suspeitas da ação diplomática de Trump no mundo árabe — daí o desconforto da oposição. Na semana passada, enquanto o presidente assinava com a Arábia Saudita acordos de cooperação que somam 600 bilhões de dólares, seu filho Eric Trump dava um giro pela região celebrando negócios imobiliários com parceiros locais, interessados no uso do sobrenome do poderoso clã em empreendimentos talhados para os detentores de petrodólares: um hotel de luxo e um condomínio de mansões, em Dubai, uma torre residencial de alto padrão em Jedá, na Arábia Saudita, e um campo de golfe em Mascate, no Omã. “Eles põem em risco a reputação dos Estados Unidos, comprometem a diplomacia e podem até ameaçar a segurança nacional”, diz Virginia Canter, conselheira de ética da State Democracy Defenders Action.

Em outra ruidosa frente, os herdeiros do magnata no poder buscam expandir os negócios em criptomoedas. No início do mês, um fundo de Abu Dhabi anunciou que assinaria um contrato no valor de 2 bilhões de dólares usando o dinheiro digital da World Liberty Financial, pertencente aos Trump. A transação está cercada de conflitos de interesse, já que envolve uma empresa subsidiária que admitiu ter violado leis federais de lavagem de dinheiro. Críticos têm chamado atenção para o fato de o governo americano ter cedido ao lobby do setor para diminuir a regulação de companhias estrangeiras. Se depender do presidente, os lobistas do mundo digital terão até um clube exclusivo em Washington. A parentela acaba de lançar o Executive Branch, criado para reunir fundadores de empresas de tecnologia e lobistas. A taxa de adesão custa a bagatela de 500 000 dólares. Segundo um porta-voz, há fila de espera. Lucrativos negócios com o homem mais poderoso do mundo custam caro.

Publicado em VEJA de 23 de maio de 2025, edição nº 2945

Source link

About The Author