Em 2023, a Novo Nordisk foi a empresa mais valiosa da Europa, ultrapassando a LVMH devido à crescente demanda pelo Ozempic e pelo Wegovy. Hoje, a empresa dinamarquesa perdeu o controle do mercado antiobesidade que havia conquistado.
A empresa perdeu participação de mercado em meio a erros de produção e uma implementação malfeita do Wegovy que levou à falta de oferta. Sua rival americana, a Eli Lilly — inicialmente na retaguarda — provou ter o medicamento mais eficaz para perda de peso e um pipeline mais promissor de tratamentos de última geração. A máquina de pesquisa e desenvolvimento da Novo Nordisk decepcionou, e uma estratégia de marketing essencial demorou a decolar.
Liderança abalada
A capacidade da Novo Nordisk de permanecer no topo de um mercado para o qual os analistas preveem um crescimento para US$ 150 bilhões em vendas anuais está em cheque.
Seu acionista controlador forçou neste mês uma saída surpreendente do diretor executivo da empresa, Lars Fruergaard Jørgensen. E, embora a empresa ainda esteja gerando vendas multibilionárias com o Ozempic e o Wegovy, as ações caíram mais de 50% em relação ao ano passado.
Se a Novo Nordisk não reverter a situação, ela poderá se juntar a uma longa lista de empresas que desperdiçaram a vantagem de ser pioneira, da Sunshine Biscuits — cujos biscoitos Hydrox foram ultrapassados pelos agora icônicos Oreos — até a rede social MySpace.
“Todos querem ser as primeiras pegadas na praia vazia”, disse Americus Reed, professor de marketing da Wharton School da Universidade da Pensilvânia. “Mas depende de como você faz esse movimento. Quem vem a seguir está vendo os erros do até então líder. O retardatário pode identificá-los e não cometer esses mesmos erros.”
Uma porta-voz da Novo Nordisk disse que a empresa continua sendo líder de mercado em volume global de medicamentos GLP-1, atendendo quase dois terços dos pacientes que os tomam para diabetes e obesidade.
Alguns investidores e observadores da indústria dizem que os problemas da Novo Nordisk decorrem de uma abordagem cautelosa e reativa que começou quando o mercado entrou em cena, em contraste com uma abordagem mais rápida e agressiva na produção e no marketing pela Lilly.
“A Novo Nordisk está sempre um passo atrás”, disse Yuri Khodjamirian, diretor de investimentos da Tema ETFs, que detém ações da Novo Nordisk.
O erro da Novo Nordisk
Um dos primeiros tropeços da Novo Nordisk foi subestimar a demanda pelo Wegovy — a versão para perda de peso do semaglutida, o mesmo composto do medicamento para diabetes Ozempic — antes de seu lançamento em 2021.
O planejamento da empresa foi baseado em sua experiência em gerar vendas modestas para um medicamento anterior para perda de peso, o Saxenda. Os médicos eram céticos quanto a ele, e muitos planos de saúde nos EUA não cobriam medicamentos para perda de peso.
A Novo Nordisk pensou que o Wegovy poderia enfrentar as mesmas restrições de mercado que o Saxenda, então a empresa planejou níveis de produção modestos, usando uma combinação de capacidade de fabricação interna e contratada.
Não foi suficiente. Em apenas cinco semanas, a taxa de prescrição do Wegovy ultrapassou o nível que o Saxenda levou cinco anos para atingir. Jørgensen relembrou em uma entrevista em 2024, que inicialmente pensou: “São pacientes que estavam na fila, há uma demanda reprimida, vai se normalizar”. Mas não se normalizou. Só continuou crescendo.
A empresa respondeu limitando a demanda — que é a última coisa que uma farmacêutica quer fazer com um novo produto. Representantes de vendas pediram aos médicos que não incluíssem novos pacientes. A empresa recorreu ao racionamento, retendo as doses iniciais mais baixas para novos pacientes, para conservar suprimentos para os pacientes existentes que estavam tomando as doses mais altas.
Chegada dos concorrentes
A falta de oferta abriu as portas para a concorrência. Farmácias especializadas nos EUA passaram a ter permissão legal para produzirem versões manipuladas e imitações do semaglutida, vendidas por muito menos do que os preços de tabela do Ozempic e do Wegovy.
As empresas de telemedicina capitalizaram o novo fornecimento de menor custo vendendo as versões compostas, tirando participação de mercado da Novo Nordisk.
A escassez deu tempo para a rival Eli Lilly se recuperar. A Lilly lançou o Mounjaro para diabetes em 2022, seguido pelo Zepbound, uma versão do mesmo medicamento para perda de peso, em 2023. Estudos demonstraram que o Zepbound induz maior perda de peso do que o Wegovy, mais de 20% do peso corporal.
Embora a Lilly também tenha enfrentado escassez devido à alta demanda, ela conseguiu resolvê-la mais rapidamente do que a Novo Nordisk. Agora, as receitas semanais de Zepbound, da Lilly, nos EUA ultrapassaram as de Wegovy. O Mounjaro ainda está atrás do Ozempic, mas a diferença está diminuindo.
Gastos bilionários
A Novo Nordisk gastou bilhões de dólares tentando expandir sua capacidade de produção, incluindo um acordo incomum no ano passado para sua fundação controladora adquirir a fabricante contratada Catalent por US$ 16 bilhões.
A Eli Lilly também está em vantagem na corrida de pesquisa e desenvolvimento para futuros medicamentos para perda de peso. A empresa relatou dados favoráveis de ensaios clínicos para dois medicamentos experimentais monitorados atentamente, incluindo uma versão em pílula que analistas acreditam que pode ser atraente para pessoas que não querem injeções.
Enquanto isso, a Novo Nordisk teve algumas decepções em pesquisa e desenvolvimento, incluindo estudos de um medicamento experimental combinado para perda de peso chamado CagriSema. Os resultados abaixo do esperado de um estudo fizeram as ações da Novo Nordisk despencarem mais de 20% em um dia em dezembro, eliminando quase US$ 100 bilhões em capitalização de mercado da empresa. Alguns analistas reduziram suas previsões de vendas do medicamento.
O plano da Eli Lilly
A Lilly também ganhou vantagem na área de marketing. A empresa se antecipou à Novo Nordisk ao lançar um serviço on-line para o consumidor, vendendo medicamentos para perda de peso a preços menores à vista, voltado para pessoas que não têm cobertura de plano de saúde.
E foi a primeira a fechar um acordo com uma grande empresa de telemedicina, a Ro, para vender um medicamento para perda de peso com desconto.
A Novo Nordisk acabou tomando medidas semelhantes, mas meses depois da Lilly.
“A Novo Nordisk perde muito tempo com esses esforços estratégicos para vender em um mercado que é diferente de outros mercados farmacêuticos”, disse o analista da BMO Capital Markets, Evan David Seigerman.
A porta-voz da Novo Nordisk disse que a empresa resolveu sua escassez antes de anunciar seu serviço direto ao paciente e fechar acordos de telemedicina.
A Novo Nordisk não está fora da corrida. A empresa ainda pode se recuperar recorrendo ao CagriSema, que gerou dados sólidos sobre perda de peso mesmo tendo ficado aquém das expectativas, e desenvolvendo outros novos medicamentos que têm como alvo vários segmentos do mercado em crescimento, disse Seigerman.
Mais agressiva
Mais recentemente, a Novo Nordisk tem mostrado sinais de maior agressividade. Ela assinou um acordo com a CVS para tornar o Wegovy o medicamento para perda de peso de preferência pelos membros de seus planos de benefícios para medicamentos.
A autora Hanne Sindbæk, que escreveu dois livros sobre a Novo Nordisk, diz que há um eterno cabo de guerra dentro da empresa entre aqueles que são guiados por valores — a ideia de que a empresa trabalha para o bem comum e não apenas para obter lucro — e aqueles que administram o negócio.
Se a Novo Nordisk quiser continuar no jogo, ela vai ter que focar no negócio ao escolher o seu próximo CEO.
Jørgensen, o CEO que deixará o cargo, continua na empresa em busca de um novo líder. Seu antecessor, Lars Rebien Sørensen, que é presidente da fundação que detém o controle votante das ações da farmacêutica, se juntará ao conselho de diretores da Novo Nordisk. “Agora eles precisam de alguém mais voltado para os negócios”, disse Sindbæk.
Traduzido do inglês por InvestNews
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