Desde o início da improvável parceria entre Donald Trump e Elon Musk, já se apostava que o vínculo entre o presidente e o bilionário que financiou sua volta ao poder não duraria muito. A briga foi acirrada na tarde desta quinta-feira (5), o que derrubou as ações da Tesla — que caíram 14%.
A troca de farpas pública e crescente entre o homem mais rico do mundo e o presidente dos Estados Unidos aconteceu pelas redes sociais e diante das câmeras na Casa Branca.
Falando a repórteres, Trump disse estar “muito decepcionado” com Musk, que criticou duramente um projeto republicano de impostos e gastos. Em resposta, Musk — CEO da Tesla e da SpaceX — afirmou na rede X (ex-Twitter) que Trump não teria conquistado o segundo mandato sem a ajuda dele. “Quanta ingratidão!”, escreveu Musk.
A ruptura, que parecia inevitável, ainda assim surpreendeu pelo nível de hostilidade pública — até mesmo para o padrão volátil de Trump, que costuma dispensar aliados sem cerimônia.
Nos primeiros meses do segundo mandato de Trump, Musk fez elogios rasgados ao presidente dos EUA e enfrentou parte do desgaste político das duras demissões e cortes orçamentários que se tornaram marcas do governo.
Em troca, Trump deu a Musk, novato em cargos governamentais, uma função temporária, mas de enorme alcance: reorganizar toda a burocracia federal, com poucos freios dos chefes de agências que ainda aguardavam confirmação do Senado.
Mas tudo desandou nesta quinta-feira, quando Trump acusou Musk de tentar enterrar o projeto de lei para proteger os lucros da Tesla, que seriam prejudicados com o corte de créditos para veículos elétricos. Musk rebateu pelas redes sociais, desafiando Trump com posts antigos do próprio presidente: “Onde está esse cara hoje?”, provocou Musk.
Musk chegou a perguntar aos seus seguidores se deveria “criar um novo partido político nos EUA que realmente represente os 80% que estão no meio?”.
A parceria começou no auge da campanha presidencial de 2024 e se aprofundou quando Musk entrou para o governo, comandando a recém-criada Secretaria de Eficiência Governamental (DOGE) — uma agenda que combinava seus interesses comerciais e a visão de figuras como Russ Vought, diretor do Escritório de Orçamento.
Porém, o impasse sobre a necessidade de transformar a retórica do governo em prática — por meio de um projeto fiscal que virou a pedra angular da agenda doméstica de Trump — levou o rompimento à tona.
Com postagens pedindo que parlamentares rejeitassem o “Big Beautiful Bill” de Trump, Musk revelou uma fissura que já vinha se ampliando, marcada por desentendimentos com ministros sobre cortes em agências e discordâncias em relação aos planos de tarifas do governo.
Manutenção do trumpismo
A ruptura pública ameaça o futuro de aliados que Musk ajudou a emplacar em cargos-chave em agências federais. Também gera dúvidas sobre se o maior doador bilionário da eleição de 2024 continuará financiando os republicanos nas eleições parlamentares de meio de mandato e a manutenção do trumpismo.
Steve Bannon, ex-estrategista-chefe da Casa Branca e crítico frequente de Musk, diz que avisou Trump e seu círculo após a eleição de 2024: “Esse cara é imprevisível, imaturo e narcisista. Vai trair qualquer um — até o presidente — quando for conveniente”.
Bannon afirmou que a queda de Musk, de “Primeiro Amigo” a rival, era questão de tempo, já que ele não conseguiu entregar os US$ 1 trilhão em cortes orçamentários prometidos. “Ele mentiu sobre conseguir isso”, disse Bannon. “Enganou a todos, inclusive ao presidente.”
Funcionários do governo que já viam com maus olhos o poder de Musk começaram a retomar as rédeas desde que ele anunciou a saída do DOGE, disseram fontes próximas ao assunto.
Isso incluiu a indicação de um aliado de gabinete de Trump, Susie Wiles, como chefe de gabinete da NASA — agência crucial para a SpaceX, que representa um terço do patrimônio de Musk. A desistência da nomeação de Jared Isaacman, aliado de Musk, para comandar a agência espacial, teria sido articulada por Sergio Gor, chefe de pessoal do presidente e rival de Musk.
“Boa parte do poder de Musk vinha do fato de ser visto como extensão de Trump”, disse Stephen Myrow, da Beacon Policy Advisers. “Mas agora que eles se distanciaram, esse poder está diminuindo.”
Myrow afirmou que, embora o relacionamento não esteja totalmente rompido, a fase de influência máxima de Musk parece ter acabado, especialmente após a retirada de Isaacman e as críticas públicas ao projeto de lei fiscal.
A Casa Branca, por e-mail, alegou que as doações passadas de Isaacman a democratas pesaram contra ele — justificativa que Isaacman rejeitou em entrevista a um podcast.
Musk, por sua vez, não quis comentar. Quando um usuário de X disse que a remoção de Isaacman foi um “golpe duro para a NASA”, Musk respondeu com um emoji “100” — sinal de que concordava totalmente.
Trump X Musk
A briga encerra um período tumultuado de 11 meses desde o endosso de Musk a Trump, em julho de 2024. Musk gastou centenas de milhões para eleger Trump e os republicanos, e quando Trump derrotou Kamala Harris em novembro, convidou Musk para liderar o enxugamento do governo.
Enquanto Musk cortava a burocracia federal e Trump emitia ordens executivas para desmontar o chamado “Estado administrativo” a “velocidade Trump”, a reputação de Musk sofria. Seu patrimônio — atrelado ao desempenho da Tesla — já caiu US$ 64,1 bilhões neste ano, a maior perda entre os 500 mais ricos do mundo, segundo o Bloomberg Billionaires Index.
Agora, no ponto em que mais investiu politicamente — a redução do déficit —, o sucesso de Musk pode ser ofuscado pelo projeto de Trump, que o próprio Musk critica por elevar ainda mais o déficit federal.
A análise do dscritório orçamentário do Congresso projeta que o projeto de lei de Trump, aprovado na Câmara, aumentaria o déficit em US$ 2,4 trilhões na próxima década, com queda de US$ 3,67 trilhões na arrecadação e corte de apenas US$ 1,25 trilhão em despesas.
Esses números estão muito acima até mesmo das estimativas mais otimistas do DOGE. O site oficial do órgão lista supostas economias de US$ 180 bilhões no ano, mas a “Parede de Recibos” — relação dos contratos e concessões cancelados — cobre menos da metade disso.
Para piorar, o projeto elimina incentivos fiscais que fortaleciam as empresas de Musk. Ele chegou a apelar pessoalmente ao presidente da Câmara, Mike Johnson, para salvar esses créditos, segundo fonte próxima, mas perdeu a batalha.
Em entrevista à Bloomberg TV na quinta-feira (5), Johnson não confirmou o pedido, mas disse que falaria com Musk mais tarde. “Ele está muito firme nisso agora, e não entendo bem a motivação”, afirmou.
A crítica de Musk ao projeto cresceu lentamente. Mas, na terça-feira (3), ele atacou abertamente, dizendo que o texto era “cheio de porcarias” e “uma abominação nojenta”. Na quarta-feira (4), ele falava em “escravidão da dívida” e postava a imagem de Uma Thurman com uma espada de samurai, cartaz do filme “Kill Bill”, em referência ao termo “Kill the Bill”.
Cronologia da briga:
- Julho de 2024: Musk apoia Trump publicamente.
- Novembro de 2024: Trump derrota Kamala Harris.
- Início de 2025: Musk assume a liderança do DOGE.
- Maio de 2025: Musk começa a criticar tarifas e cortes drásticos em agências federais.
- 20 de maio: Musk diz que pretende reduzir suas doações políticas.
- Início de junho: projeto fiscal de Trump avança no Congresso, removendo subsídios para carros elétricos.
- 3 de junho: Musk chama o projeto de “abominação” nas redes sociais.
- 5 de junho: briga explode publicamente, com Musk chamando Trump de ingrato e sugerindo criar novo partido. Trump disse a repórteres que estava “decepcionado” com o CEO da Tesla, afirmando que os cortes nos créditos tributários para veículos elétricos provocaram a oposição de seu ex-assessor bilionário
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