A pernambucana Moura vive um momento tão decisivo para o negócio dela quanto o que marcou sua fundação, há quase sete décadas. A tradicional empresa de baterias que abastece seis em cada dez carros brasileiros com produtos de chumbo agora aposta no lítio — e em um mercado ainda dominado por gigantes globais.
Assim como nos anos JK, quando seus fundadores enxergaram no boom da indústria automobilística uma chance de negócio, o grupo vê na transição energética a próxima fronteira. A diferença é que, se lá atrás a Moura começou literalmente no quintal da casa da família, hoje o grupo conta com sete fábricas, operação internacional e receita de R$ 2 bilhões por ano.
A Moura profissionalizou sua gestão na última década, evitando problemas de sucessão entre os netos de Edson e Maria da Conceição Moura, os fundadores da empresa. A estratégia mostrou-se acertada. De lá para cá, a companhia multiplicou de tamanho e agora tem muito mais potência para acelerar — sem abandonar o motor, ou melhor, a bateria de chumbo que ainda move sua liderança.
O negócio de baterias tradicionais para veículos da Moura é tão grande que, geralmente, ofusca suas outras áreas de atuação. E foi esse mercado que sustentou o crescimento do grupo ao longo de 68 anos e se mantém como o carro-chefe.

Só que a transição energética, cada vez mais inevitável, é, ao mesmo tempo, desafio e oportunidade para uma companhia que se especializou justamente em guardar energia. Então, nada mais natural que investir no desenvolvimento de uma tecnologia nacional de baterias de lítio, usadas na mobilidade elétrica e em sistemas de armazenamento de energia para empresas.
Mas não é um desafio simples. O mercado de baterias de lítio é dominado por multinacionais, principalmente chinesas e americanas. E o setor automobilístico brasileiro começa a se transformar com o aumento da demanda por veículos elétricos e híbridos e a instalação de novas fábricas no país.
O futuro já começou
Ciente dessa encruzilhada no mercado de baterias, o grupo começou a se preparar desde 2020 para alçar voos mais altos e criou o projeto Moura 2030 com objetivo de investir em baterias de lítio.
A ambição da Moura é cristalina: entrar no jogo global dos veículos elétricos. O grupo tem focado seus esforços na criação de uma tecnologia 100% nacional de baterias para o setor. E os primeiros esforços foram revelados em abril deste ano.
A companhia acabou de lançar os dois primeiros produtos de uma nova linha de baterias de lítio destinadas a veículos elétricos e híbridos. As novas baterias foram inteiramente desenvolvidas pela empresa e fabricadas em Belo Jardim (PE), onde a empresa foi fundada.
Na apresentação, a Moura afirmou estar em tratativas com as principais montadoras com operação no Brasil e em países vizinhos para fornecer o equipamento. “Com nossas novas baterias, a Moura se posiciona como um parceiro estratégico das montadoras da América do Sul. Estamos falando de tecnologia local de padrão mundial“, disse a gerente geral de desenvolvimento de negócios de lítio do grupo, Cristiane Assis.
A tecnologia de lítio permite a produção de baterias com capacidade de armazenamento superior, maior ciclo de vida e carregamento mais rápido. Por isso, tornou-se a tecnologia padrão no segmento de veículos elétricos. A Moura desenvolveu dois modelos, um de 48V e outro de 12V.
São tipos usados nos chamados híbridos leves ou mild hybrid electric vehicle (MHEV), que não carregam na tomada ou em estações externas e usam a energia de frenagens para recarga. Exemplos são o Fiat Fastback MHEV que utiliza sistemas de 12V, e o Audi Q3 MHEV, equipado com bateria de 48V.
É um primeiro passo para engrenar marchas mais altas. Isso porque os veículos 100% elétricos e os híbridos plugin, aqueles que recarregam na tomada, usam sistemas mais robustos, que variam de 200V a 800V.
Um mundo em transformação
A companhia não parou nos modelos de baterias de lítio para carros. Em maio, o grupo lançou a sua própria bicicleta elétrica, a Ella. A novidade, na verdade, funciona quase que como um manifesto sobre a nova Moura.

E parte da nova Moura vai além da mobilidade elétrica. Ela intensificou a oferta de produtos de armazenagem de energia para empresas. A possibilidade de guardar a energia gerada por meios renováveis pode revolucionar o mercado de geração e distribuição.
Isso porque fontes como a solar e a eólica são intermitentes — param de gerar eletricidade à noite ou em períodos de calmaria. É quase como poder estocar sol e vento.
E, não por acaso, várias gigantes techs como a americana Tesla e a chinesa BYD têm investido no desenvolvimento de soluções do gênero. Isso porque sistemas de armazenamento em grande escala vão ajudar a ampliar a oferta de energia com baixo custo. Além disso, podem até mesmo tornar uma indústria com geração própria praticamente independente do sistema elétrico tradicional.
Energia como serviço
A nova linha de negócios foi batizada de Moura BESS, do inglês Battery Energy Storage System. Trata-se de uma solução de armazenagem e gestão de energia sob medida, projetado para setores como comércio, indústria, agronegócio e infraestrutura.
Produzido na unidade de Belo Jardim (PE), o Moura BESS utiliza tanto baterias de chumbo quanto de lítio. O sistema ajudou a empresa Expofrut, produtora de uvas na Bahia, a integrar a geração solar própria para reduzir custos durante horários de pico e garantir estabilidade no fornecimento.

Outro caso foi o da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) que adotou o Moura BESS para assegurar o abastecimento de água em Caruaru, mesmo durante quedas de energia, mantendo a pressurização das tubulações. E, na Amazônia, o sistema contribuiu para a redução do uso de geradores a diesel no abastecimento de comunidades afastadas.
O grupo Moura oferece o BESS também no modelo “energia como serviço” (EaS). Nesse formato, o cliente não faz um investimento inicial na infraestrutura. A Moura fornece a instalação, a manutenção e a gestão energética e cobra pelo serviço.
Profissionalização
Há quase duas décadas, a família Moura optou pela gestão profissional. Os irmãos Sérgio, Paulo e Pedro, filhos dos fundadores, tomaram a decisão de afastar a terceira geração da família do dia a dia da companhia.
Os então líderes da maior fabricante de baterias para veículos do país já vislumbravam um quadro que poderia se tornar caótico. A terceira e a quarta geração da família reúnem atualmente 14 netos e 21 bisnetos de Edson e Maria. Antes que qualquer batalha pela sucessão pudesse se instalar e prejudicar a companhia, os irmãos iniciaram um processo para profissionalizar a gestão.

A família contratou uma terceira parte, a EY, para coordenar e organizar o processo de transição. De acordo com a consultoria, os membros da família foram excluídos de funções administrativas. Em vez de estarem na gestão operacional, a terceira geração passou a atuar como integrantes dos conselhos de acionistas e familiar.
Hoje Paulo Sales, genro de Edson e Maria, e Sérgio Moura continuam a liderar o grupo como co-presidentes. Mas a direção executiva tem sido dividida entre Antonio Junior, diretor geral de baterias, que está na companhia há 21 anos, e Elisa Correia, diretora geral da Rede Moura Brasil e Cone Sul.
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