Numa fabricante de geladeiras, o custo da matéria-prima representa 15% do faturamento. Numa de software, zero por cento. Numa de joias a história é bem diferente, claro. Um terço da receita vai nos gastos com as commodities básicas – ouro, prata, pedras.
Acontece que o valor do ouro dobrou em reais nos últimos três anos – uma trajetória de alta que influencia diretamente os negócios da maior joalheria do país, a Vivara.
Nesses tempos de valorização rápida, a empresa precisou lapidar o plano estratégico em duas frentes: reforçar a reserva da matéria-prima ao mesmo tempo em que promovia joias mais em conta, de prata.
Sobre as reservas de ouro. Elas existem para que o negócio tenha um grau confortável de previsibilidade. Faz toda a diferença. Em 2024, o preço médio do ouro no mercado internacional foi de R$ 415 o grama. Neste momento, ele está em R$ 600.
Ou seja, usando ouro de um estoque formado ao longo do ano passado, a joalheria economiza 30% com ouro.
E o empenho da Vivara em montar seu baú de ouro no último ano foi tanto que a empresa tem conseguido reduzir os gastos com o metal amarelo, comprando menos, sem que isso afete a produção de novas joias.

De janeiro a março, a empresa gastou basicamente metade do que tinha desembolsado no trimestre anterior com a reposição de metais nobres. Ou seja, blindou-se de forma eficiente as altas – exemplo: em fevereiro de 2025, no meio do primeiro tri, o ouro já estava em R$ 530, anos-luz além daquele preço médio de 2024.
No mínimo, isso dá manga para que a empresa repasse a alta para os preços finais de forma escalonada, mantendo sob controle as margens e os provimentos para compras futuras de matéria-prima.
“Apesar do aumento do preço da commodity, a rentabilidade da Vivara continua resiliente, graças à capacidade de gerir custos”, comenta Caroline Sanchez, analista da Levante.
A analista avalia que isso só é possível porque o modelo da empresa é muito verticalizado, com fabricação própria e um controle fino da cadeia de estoques que poucas joalherias conseguem ter.
“A Vivara entrou em 2025 com mais de 1 ano de produtos acabados em estoque, justamente para evitar compras em um cenário de preço desfavorável”, diz a analista.
Outra estratégia é investir no crescimento da Life, a rede de lojas da Vivara especializada em peças mais em conta, criada em 2011. A marca foca em peças de prata – uma matéria-prima que também tem subido velozmente de preço, mas ainda assim custa rigorosamente um centésimo da mesma quantidade de ouro.

O modelo de negócio ali inclui peças colecionáveis, já que o ticket médio é bem mais em conta. Eles também fazem ações promocionais com frequência, como qualquer outra operação de varejo. O que não acontece nas lojas Vivara, onde ações pontuais de atração são feitas apenas em datas especiais, como Dia das Mães ou Natal.
Tudo isso evitou que a alta mais recente do ouro, a de 50% desde meados do ano passado, espremesse as margens. Muito pelo contrário. A companhia registrou um lucro líquido de R$ 115 milhões no primeiro trimestre de 2025, um crescimento de 221% na comparação com o 1T24. A margem líquida, melhor indicador de rentabilidade, subiu de 7,6% para 21%.
O encalhe que se transforma em matéria-prima
Investir apenas em estoques de ouro não resolveria, de forma isolada, o desafio da companhia. O resultado positivo vem em função de outras ações que a empresa toma, e que responderam de forma eficiente. Redistribuir produtos encalhados de uma loja mais parada para outra, com maior potencial de vendas, é uma delas. Outra é derreter joias que demoram a ser vendidas, ou seja, usar o encalhe como matéria prima.
A iniciativa não é nova. Mas intensificou-se de 2024 para cá, explicam os analistas que acompanham a empresa.
Basicamente, a ideia é mapear as joias com pouca saída, derretê-las e aproveitar o metal para forjar novas peças na fábrica. Peças que tenham maior chance de serem vendidas nas lojas.
“Essa iniciativa ajuda a preservar o estoque de minério nobre da empresa”, afirma Vinicius Strano, analista do UBS. 8% do estoque total de joias ali vai para o forno de fusão, o equipamento que derrete ouro. O segredo é mapear bem os produtos que mostraram baixo potencial, e convertê-los em peças com potencial de alto giro, ou fazer novos lançamentos que, se derem certo, podem ser vendidos a preços mais altos do que antes.
“É uma forma inteligente de armazenar metais raros”, diz João Daronco, analista da Suno Research. “Lançamentos constantes ajudam repassar as altas nos preços do ouro para os clientes”.
De R$ 200 a R$ 50 mil
Além da rapidez em lançar produtos e repassar custos, ampliar o espectro de preços faz parte da estratégia.
Se nas lojas Vivara as joias chegam a custar R$ 50 mil, nas vitrines da Life é possível encontrar peças de R$ 200. Ainda assim, a ideia é que a marca tradicional fique menos “ouro-dependente”.
São apostas como a coleção Duo (que mescla prata e ouro). Outro esforço para atingir um público menos restrito é o lançamento de jóias com diamantes sintéticos. Nos dois casos, tratam-se de produtos com ticket médio similar aos da marca Life.
No caso da Life, a estratégia também inclui mais lojas – já que o público delas é naturalmente mais amplo. A maioria das 55 previstas para o ano serão da marca mais acessível, que já representa 195 (incluindo 11 quiosques) das 460 lojas da empresa no país.
Procurada pelo InvestNews, a Vivara não atendeu aos pedidos de entrevista.
A empresa nasceu em 1962, pelas mãos do imigrante romeno David Kaufman, em um pequeno espaço no centro de São Paulo. Cresceu, multiplicou-se e, em 2019 estreou na bolsa. Nesses últimos seis anos, a receita líquida anual da companhia dobrou, de R$ 1,17 bilhão (2019) para R$ 2,58 bilhão (2024).
Mas o preço da ação não acompanhou. Desde o IPO, VIVA3 sobe apenas 5%, bem aquém da inflação no período, que foi de 40%.
A perspectiva, de qualquer forma, é que o faturamento do setor como um todo siga em alta. Um estudo da consultoria Mordor Intelligence prevê um crescimento de 8,3% para as joalherias no Brasil – ramo que a Vivara lidera, seguida pelas concorrentes H.Stern e Pandora.
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