Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022, o presidente Vladimir Putin e toda a comunidade internacional apostavam que a batalha não duraria mais do que uns poucos dias, tamanha a supremacia bélica do invasor. Três anos depois, sempre com um cessar-fogo com ares de teatro de guerra no horizonte — como o de domingo 1º, que de novo não deu em nada —, Kiev executou o ataque mais surpreendente e efetivo de seu lado, causando a maior perda já registrada na Força Aérea russa desde a Segunda Guerra (Putin nega, claro). A Operação Teia de Aranha, planejada ao longo de um ano e meio, segundo informou o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, espantou pela engenhosidade e pela tecnologia, simples e pouco custosa, aplicada como nunca antes em um conflito: foram 117 drones revestidos de matéria plástica, movidos a bateria e envoltos em explosivos os causadores do estrago, estimado em 7 bilhões de dólares. Os artefatos, na casa de 600 dólares a unidade, haviam sido infiltrados no território inimigo a bordo de caçambas de caminhões, instalados em tetos falsos, e espalhados nas fronteiras com a Noruega e a Sibéria, a até 4 400 quilômetros da capital ucraniana.
O ataque enfureceu Putin, que logo ligou para o presidente americano Donald Trump para avisar que revidará à altura, e marcou de forma categórica uma virada que já vinha se desenhando no tabuleiro das guerras: entramos definitivamente na era dos drones, em que um clique (ou muitos, como foi o caso) a distância tem o potencial de mudar o curso de uma disputa. As pequenas aeronaves não tripuladas já são responsáveis por 70% de todas as baixas russas e ucranianas. Na véspera da surpresa vinda da nação comandada por Zelensky, inclusive, a Rússia havia despachado 472 drones para a Ucrânia — um recorde desde o início do duelo.

Nos anos 1990, quando surgiu, a tecnologia era caríssima, empregada para reconhecimento de terreno. O curioso é que sua evolução embute também uma simplificação, justamente o que a torna escalável. Muitos países já estão se mexendo para acelerar a produção desses drones militares de feições caseiras: na semana passada, o primeiro-ministro Keir Starmer anunciou que o Reino Unido canalizará quase 10% do orçamento militar para sua confecção. “Vivemos hoje um período em que novas tecnologias estão afetando não a natureza, mas as características da guerra”, diz Richard Shultz, especialista em segurança internacional da Universidade Tufts.
Ao longo dos tempos, conflitos de grandes proporções sempre serviram como impulsionadores e laboratório do desenvolvimento tecnológico. O último confronto de envergadura travado unicamente em trincheiras foi a Primeira Guerra. Duas décadas mais tarde, a Segunda Guerra seria em boa parte disputada nos ares, com amplo uso de porta-aviões e aviões estratégicos para combate, como o britânico Spitfire, e para bombardeios, como os B-17 e B-29, definidos à época como “fortalezas no céu”. As operações americanas contra o terror nos anos 2000 trouxeram versões bem mais arcaicas dos drones usados hoje em dia. Um dos principais, o AAI RQ-2 Pioneer, tinha de ser lançado por foguete, catapulta ou pista de decolagem, pesava mais de 200 quilos e custava em média 1 milhão de dólares. Encontram-se agora nas prateleiras bélicas os mais variados preços desses artefatos — um drone com inteligência artificial integrada, que pode ajudar a identificar perigos ao longe e mirar claramente o alvo, sai por pouco mais de 10 000 dólares.

A proeza ucraniana, dizem os especialistas, tem mais a ver com a inventividade na adoção de tecnologias sem tanta complexidade do que propriamente com o ímpeto inovador. Nesse último ataque, os modelos que poderiam até se passar por brinquedos não contêm nada de muito sofisticado. Há momentos até em que a Ucrânia recorre ao bom e velho drone com cabo de fibra óptica, com o objetivo de fugir dos sistemas de defesa que interceptam e embaralham o controle de objetos voadores por frequência de rádio. É tão simples que chama a atenção: o dispositivo constitui-se de uma bobina com dezenas de quilômetros de fio, ligando o drone ao piloto e assim reduzindo o rastreamento por interceptores eletrônicos. Apesar de mais lentos, em uma guerra assimétrica como a que se desenrola entre russos e ucranianos, com vantagem para os primeiros, é uma opção que vem se revelando valiosa.
As conversas em torno de um cessar-fogo seguem acesas, porém emperradas por uma questão fundamental: a pedida dos dois lados é inaceitável aos olhos do oponente. No dia seguinte ao ataque ucraniano, representantes de Moscou e Kiev se encontraram mais uma vez na Turquia, de novo sem a presença de oficiais de alto escalão. O único ponto acordado ali foi uma troca de prisioneiros e de corpos de militares. Sobre o fim do conflito, nada se avançou. Os ucranianos se recusam a perder soberania e integridade territorial, e os russos não abrem mão dos 20% do terreno inimigo que já ocuparam nem tampouco de garantias de que a Ucrânia não entrará para a Otan. Também batem o pé para que haja a imposição de um limite ao tamanho das forças militares no país, que, na verdade, Putin queria ver convertido em mais um satélite russo — como Belarus, por exemplo. “Nenhuma das duas nações parece ter força para obrigar o outro lado a fazer concessões substanciais”, analisa Tetyana Malyarenko, professora de relações internacionais da Universidade Nacional de Odessa. Como se vê, por mais engenhoso que seja o aparato bélico, a guerra continua a ser uma prova milenar de impaciência entre os povos.
Publicado em VEJA de 6 de junho de 2025, edição nº 2947
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