Mesmo sem voto no conclave, o cardeal brasileiro R…

Aos 88 anos, o cardeal Raymundo Damasceno Assis já não tem direito a voto em um conclave, mas continua exercendo influência significativa nos bastidores da Igreja Católica. Com ampla trajetória pastoral, reconhecimento no continente e forte presença na cúpula eclesial latino-americana, o arcebispo emérito de Aparecida está em Roma, onde participa das Congregações Gerais no Vaticano, que antecedem a escolha do novo pontífice.

Natural de Capela Nova, no interior de Minas Gerais, Dom Raymundo é o cardeal brasileiro mais velho e o único entre os oito representantes do país que pode ser votado, mas não pode votar — por ter ultrapassado o limite de 80 anos. Ele é um “popemaker”, uma figura-chave cujos apoios e influências podem ser determinantes na escolha do Santo Padre. Ele, no entanto, refuta qualquer expectativa quanto a uma eventual eleição. “Não tenho condições pela idade. Normalmente, o papa precisa estar disposto física e mentalmente, com boa saúde, pois é uma missão exigente. Não é fácil”, afirmou à TV Integração, afiliada da Globo, antes de embarcar para a Itália.

Identificado com a ala progressista da Igreja, Dom Raymundo sempre trilhou um caminho distinto dos setores conservadores da Cúria. Foi próximo do papa Francisco desde os tempos em que ambos eram bispos na América do Sul. À frente do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (CELAM), o cardeal coordenou iniciativas que moldaram o pensamento pastoral latino-americano. Jorge Bergoglio, então arcebispo de Buenos Aires, era presença frequente nesses encontros e simpático às propostas de renovação pastoral discutidas ali.

Durante o pontificado de Francisco, os laços entre os dois se estreitaram. Em 2013, Dom Raymundo foi figura-chave na visita do papa ao Brasil, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude. Foi ele quem convenceu o Vaticano a incluir Aparecida, onde era arcebispo, no itinerário oficial, que antes previa apenas o Rio de Janeiro. O gesto reforçou a importância do santuário como expressão da fé popular brasileira.

Mais tarde, em 2019, o papa lhe confiou uma missão sensível: ser delegado pontifício junto aos Arautos do Evangelho, grupo ultra tradicionalista brasileiro em atrito com a cúpula vaticana. A decisão evidenciava a confiança do pontífice em seu equilíbrio pastoral.

Apesar de não poder votar no conclave, Dom Raymundo segue participando do rito que antecede a escolha do próximo papa. A expectativa entre seus apoiadores é de que ele ajude a orientar o grupo em torno de um nome capaz de dar continuidade ao legado de Francisco.

O cardeal participou do conclave que elegeu Francisco, em 2013. Em sua trajetória, presidiu a CNBB (2011–2015), liderou o CELAM (1999–2003) e comandou a Arquidiocese de Aparecida por 13 anos. Em 2022, representou o Vaticano na beatificação da jovem Isabel Cristina, assassinada em 1982, em Juiz de Fora, Minas Gerais, e reconhecida mártir pelo papa Francisco em 2020.

Nascido em 15 de fevereiro de 1937, Dom Raymundo ingressou na vida religiosa aos 10 anos, no Juvenato São José dos Irmãos Maristas, em Mendes, Rio de Janeiro. Mesmo com idade avançada, continua sendo uma presença ouvida com respeito no cenário eclesial.

Discreto, mas ativo, reside em Brasília, de onde acompanha atentamente os rumos da Igreja. Com fala serena e autoridade conquistada ao longo de décadas, permanece como uma referência de equilíbrio e continuidade, mesmo longe da urna, no momento decisivo que definirá os caminhos do catolicismo global.