9 de maio de 2025

Ele é que manda: como Putin dá as cartas na guerra…

À primeira vista, o acordo recém-selado entre Washington e Kiev parece trazer a Ucrânia de volta ao jogo na guerra em que só vem apanhando dos russos. Mas não é bem assim que a banda anda tocando em Kiev. Ficou acertado entre os presidentes Volodymyr Zelensky e Donald Trump que os ucranianos vão ceder parte de seu rico solo em minerais para a exploração dos Estados Unidos, que, em troca, ajudará com um fundo no qual serão depositados recursos para a reconstrução da nação devastada por três anos de conflito. O que de essencial faltou à mesa foi a garantia de que os americanos seguirão protegendo o aliado. Era o melhor tratado possível para Zelensky, mas longe do suficiente para alçá-lo a um novo patamar no duelo que tem deixado o próprio Trump sem cartas na manga para cumprir uma promessa ainda da campanha — encerrar o embate entre os dois países “em 24 horas” —, o que, premido pelas circunstâncias, já disse ter sido “brincadeira”.

A verdade é que quem vem mesmo dominando o belicoso tabuleiro não é Zelensky nem tampouco seu par americano, mas Vladimir Putin, o presidente da Rússia, que não para de bombardear o vizinho, apesar das sucessivas movimentações de Trump por um cessar-fogo. Nesse intrincado cenário, soou como afronta a determinação russa de paralisar o conflito por apenas três dias, no lugar dos trinta propostos pelos Estados Unidos, durante o feriadão em que Moscou celebra a vitória sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra, entre 8 e 10 de maio. Putin vai aproveitar a ocasião, aliás, para dar uma demonstração de que não está isolado — ele armou uma grandiosa cerimônia para receber líderes de toda parte, entre eles o chinês Xi Jinping e o presidente Lula.

Uma trégua mais esticada, avisou o Kremlin, só se houver flexibilização nas sanções impostas por americanos e europeus. Como esperado, Kiev rechaçou a ideia e, para deixar claro seu descontentamento, vem lançando drones contra a capital russa em ato de teor mais simbólico do que destrutivo. Depois de aproximar-se de Putin — e mais tarde mudar o vento em prol de Zelensky, a quem chegou a humilhar em pleno Salão Oval ao lado de seu vice, JD Vance —, Trump resolveu contemporizar por ora: “Não parece, mas três dias é muito se vocês soubessem de onde partimos”, disse.

A tática cada vez mais evidente de Putin é justamente arrastar a conversa, bem como intensificar o conflito, para obter o máximo de ganhos possível. Desde o início das tratativas para pôr fim à guerra, ordenou alguns dos ataques mais mortais de toda a invasão. Um míssil balístico chegou a atingir um playground na cidade natal de Zelensky, Kryvyi Rih, matando dezenove pessoas, nove delas crianças. Em 13 de abril, no Domingo de Ramos, disparos contra a cidade de Sumy deixaram mais dezenas de mortos. De acordo com a ONU, o número de vítimas ucranianas escalou: no mês passado, 848 civis foram mortos ou feridos, um salto de 46% em relação ao ano anterior. “As tendências positivas no campo de batalha permitem paciência estratégica, e Putin está mais forte e confiante do que nunca”, avalia Alyona Nevmerzhytska, CEO da Hromadske, veículo independente da Ucrânia.

ACORDO - Zelensky e Bessent: pacto pelos minerais aproxima os dois países
ACORDO - Zelensky e Bessent: pacto pelos minerais aproxima os dois países (EPA/EFE)
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Em seus cálculos, o presidente russo conta com a boa vontade de Trump, que anda de olho em um pacto com o Kremlin que incluiria cooperação na produção de petróleo, exportações de gás natural liquefeito e a contenção do Irã, um inimigo comum. “Quem não quer ver o mundo assim?”, disse Steve Witkoff, o enviado especial dos Estados Unidos que vem tratando com o próprio Putin. Até aqui, Washington já deu o aval a muito do que o líder russo exige — o fim da guerra brindaria Moscou com o reconhecimento da anexação da Crimeia (península ucraniana que tomou em 2014) e com a promessa de que a Ucrânia jamais ingressará na Otan, a aliança militar de americanos e europeus, além da suspensão das sanções sem nenhuma espécie de condicionalidade. Confortável, Putin espera para ver se ainda garante a anexação definitiva de 20% do território ucraniano que já abocanhou, bem como a imposição de limites ao tamanho do Exército do vizinho.

Na ocasião da assinatura do acordo que dará aos Estados Unidos acesso privilegiado aos minerais de terras raras da Ucrânia, assunto sobre o qual Zelensky já havia conversado com o secretário do Tesouro americano Scott Bessent, não houve nenhum aceno de contrapartida para Kiev nas negociações que podem levar ao fim do arrastado conflito. O que os ucranianos ganharam agora — aí, sim — foi uma maior aproximação com os Estados Unidos, já que o pacto dos minerais une ambos no longo prazo. “A exploração pode durar anos, o que conecta os interesses dos dois países por muito tempo”, analisa Matthew Kroenig, do centro de pesquisas Atlantic Council. No palco mais imediato da guerra, porém, a Ucrânia segue penando com sua frágil posição militar.

Mesmo sem avançar nas costuras pela paz, Trump não parece nem perto de jogar a toalha, como alardeou. “Ele quer ser lembrado como um pacificador e se eternizar na história a qualquer custo”, observa Emily Ferris, do think tank de segurança e defesa RUSI. Os Estados Unidos, na verdade, contavam com uma Rússia sufocada economicamente. O plano aí seria instaurar um troca-troca prometendo, por exemplo, a reabertura dos gasodutos Nord Stream, artéria crucial de envio de combustível da Rússia à Europa, para chegar ao cessar-fogo. Não deu, pelo menos até agora. Nos últimos três anos, o chefe do Kremlin construiu um sistema financeiro adaptado a tempos de guerra, que resiste mesmo sob o severo bloqueio internacional, e aprofundou laços com parceiros como a China — tudo sem precisar lidar com a pressão popular característica de uma democracia liberal, o que a Rússia não é. Como se vê, no jogo de quem pisca primeiro, a vantagem está com Putin.

Publicado em VEJA de 9 de maio de 2025, edição nº 2943

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