O ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica faleceu nesta terça-feira, 13, aos 89 anos. O político aposentado que foi símbolo da esquerda na América Latina estava sob cuidados paliativos durante a fase terminal de um câncer de esôfago, além de já diagnosticado com uma doença autoimune. Ele desistiu de fazer tratamento em janeiro, quando o tumor fez metástase e se espalhou apesar de 32 sessões de radioterapia. “Estou morrendo. O guerreiro tem direito ao seu descanso”, disse à imprensa local na época.
Ex-guerrilheiro tupamaro, preso por mais de uma década durante a ditadura militar, Mujica chegou à presidência em 2010 como um político improvável. Recusava o luxo, os seguranças, as pompas e os privilégios do cargo. Morava na zona rural com a mulher, a ex-senadora Lucía Topolansky, uma cadela de três patas chamada Manuela e um fusca azul na garagem. Mas não foi apenas pelo estilo de vida que Mujica se destacou. Com um discurso direto, o uruguaio acumulou uma coleção de frases que explicam por que se tornou um símbolo.
A seguir, algumas das mais emblemáticas.
“Eu não sou pobre. Sou sóbrio. Vivo com o suficiente para que as coisas não me roubem a liberdade.”
Foi essa simplicidade radical que o fez ser apelidado de “o presidente mais pobre do mundo’ — rótulo que detestava, mas não se preocupava em refutar. Em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, em 2013, diante das maiores potências do planeta, falou durante 45 minutos algumas de suas melhores frases.
“Compramos e compramos, hipotecamos a vida para pagar parcelas”, disse, denunciando o consumismo. “Somos felizes porque temos ou porque somos?”. O militante vivia com o mínimo porque acreditava que o excesso escraviza.
“Sacrificamos os velhos deuses imateriais e ocupamos o templo com o Deus Mercado.”
No mesmo discurso, um dos mais aplaudidos da história recente da ONU, Mujica criticou o modelo econômico que alimenta desigualdades. Para ele, o vício no crescimento a qualquer custo destrói o essencial. “Parece que nascemos somente para consumir e consumir, e quando não podemos, arcamos com a frustração, a pobreza e a autoexclusão.”
“Estamos governando a globalização ou é a globalização que nos governa?”
Na conferência Rio+20, em 2012, no Brasil, voltou a tocar na ferida. Denunciou a lógica do descarte e o colapso ambiental promovido por uma civilização de “use e jogue fora”. Para ele, o modelo vigente sequestrava não apenas o planeta, mas também o tempo das pessoas — que viviam para trabalhar, e não o contrário.
“Prefiro legalizar a maconha a dar poder aos narcotraficantes.”
Durante seu governo, o Uruguai se tornou o primeiro país do mundo a legalizar a produção e venda de maconha — uma medida ousada para um país conservador. Mujica justificava a decisão com naturalidade. “Nós não gostamos da maconha nem de nenhum vício. Mas pior que a maconha é o narcotráfico”, disse à Folha de S. Paulo, em 2014.
“O casamento gay é mais velho do que o mundo. Tivemos de Júlio César a Alexandre, o Grande. Dizem que é moderno e é mais antigo do que todos nós. É uma realidade objetiva. Existe. E não legalizar seria torturar as pessoas desnecessariamente”.
Em agosto de 2013, entrou em vigor a lei do casamento igualitário, o que fez o Uruguai o segundo país na América Latina, depois da Argentina, a reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Embora ele tenha recebido críticas da Igreja Católica, a medida foi aprovada por uma larga maioria dos legisladores da base do governo e da oposição.
“Custou-me uma vida entender que o poder está nas massas.”
Ao celebrar sua eleição presidencial em 2009, Mujica destacou a importância do povo na construção do poder. “O mundo está de pernas para o ar. Vocês deveriam estar aqui (no palanque), e nós aí embaixo, aplaudindo. Elegemos um governo que não é dono da verdade e precisa de todos. Custou-me uma vida entender que o poder está nas massas.”
“A Humanidade precisa trabalhar menos, ter mais tempo livre e ser mais pé no chão.”
Em sua última grande entrevista, ao New York Times, em agosto de 2024, Mujica falou como quem já se despedia do mundo. Disse estar “destruído” pelos tratamentos contra o câncer, mas em paz. “Apesar de amar a vida, sinto que estou perdendo a vida — porque é a hora de ir embora.” Para ele, o futuro dependia de desacelerar, de recuperar o tempo perdido. “Não há liberdade sem tempo para viver.”
“Essa velha é pior que o caolho.”
Nem sempre, no entanto, as palavras de Mujica foram diplomáticas. Em 2013, foi flagrado fazendo essa observação sobre Cristina Kirchner e seu marido, Néstor. A frase, dita fora dos microfones mas captada por jornalistas, gerou um atrito diplomático com a Argentina. Ao ser cobrado, respondeu: “Não vou dar bola nem atravessar o mundo para esclarecer nada.”
“Estou morrendo. O que peço é que me deixem em paz. Que não me peçam mais entrevistas nem nada. Meu ciclo já terminou.”
Ao jornal uruguaio Búsqueda, em janeiro deste ano, Mujica revelou que seu câncer havia se espalhado para o fígado e que rejeitaria novos tratamentos dali em diante.
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